Por Dr. Marciano Anghinoni
Especialista em Cirurgia Oncológica
Cirurgião oncológico do Centro de Oncologia do Paraná
Chefe do Serviço de Cirurgia Oncológica Digestiva – Hospital São Vicente
Membro da Diretoria Nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
Quando estamos falando de câncer, tempo é decisivo.
De um modo geral, toda a assistência médica está nesse momento focada em minimizar os efeitos da pandemia COVID-19. Entretanto, não podemos menosprezar a assistência médica às demais patologias. Muitas doenças continuam acometendo a população e causando óbitos.
Nesse cenário, o tratamento do câncer merece uma atenção especial. O câncer é a segunda causa de mortalidade no mundo (ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares) e não podemos deixar de dar atenção ao tratamento dessa doença. O câncer não espera. Ou seja, tempo é crucial.
Por isso, adotar condutas que minimizem o impacto da postergação do tratamento e ajudem na escolha sobre o melhor momento de tratar, tornaram-se assunto de grande relevância nesse momento, entre profissionais e pacientes com câncer.
Estima-se que nesse ano, no Brasil, 625 mil novas pessoas terão um diagnóstico de câncer. No mundo, cerca de 18 milhões de pessoas terão a doença. Muitos pacientes estão vivenciando dilemas sobre quando tratar o seu câncer. Fazer uma cirurgia agora ou postergar? Iniciar uma quimioterapia agora ou esperar? Sabe-se que pacientes com câncer tem maior risco de mortalidade se forem acometidos pela COVID-19 durante o tratamento. No entanto, o risco de postergar um tratamento muitas vezes é maior do que o risco associado à uma eventual infecção COVID-19.
Esperar três meses ou mais para realizar uma cirurgia oncológica pode trazer consequências irreversíveis. Um câncer que agora é curável pode deixar de ser. Será tarde demais. São escolhas difíceis e agregam dilemas terapêuticos e dilemas morais.
Muitos pacientes estão sofrendo essa angústia da escolha e ficam mais suscetíveis a decisões errôneas, baseadas apenas no pânico. Além disso, o cenário psicológico, de ansiedade e depressão, comuns em muitos pacientes com câncer, ficam ainda mais evidentes.
Várias sociedades médicas, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, têm ajudado os profissionais com protocolos de conduta terapêutica. No entanto, em certas situações, pacientes e médicos precisam definir a melhor conduta, assumindo-se os riscos de cada escolha.
Um artigo publicado na conceituada revista Nature, em abril de 2020, contextualiza o problema em cima de um Princípio, chamado Princípio da Precaução. De acordo com esse princípio “quando as atividades humanas podem levar a danos moralmente inaceitáveis, cientificamente plausíveis, mas incertos, devem ser tomadas medidas para evitar ou diminuir esse dano”.
Transpondo esse princípio para a oncologia, consideramos que, se as medidas adotadas para o combate ao Corona Vírus ainda não estão totalmente validadas, e não há razão para esquecermos das demais patologias, dentre elas o câncer, sendo que devemos definir maneiras de focar também no tratamento das outras patologias, para que o “dano”, ou seja, as consequências em termos de saúde pública, não sejam um desastre ainda maior.
Nesse sentido, uma das estratégias é a de estratificar pacientes por grupos de comportamento biológico tumoral, entre tumores mais agressivos ou menos agressivos. Segundo, estratificar por urgência de tratamento, entre pacientes com maior ou menor urgência de tratamento. Terceiro, levar em conta as questões geográficas e em que momento da curva epidêmica se encontra o hospital ou centro onde será realizado o tratamento.
Se em um determinado momento há baixa incidência da COVID-19 e os sistemas de saúde locais não estão saturados por pacientes em tratamento da COVID-19, deve-se considerar fortemente realizar o tratamento cirúrgico de tumores mais agressivos e casos de maior urgência.
E, por último, a flexibilização terapêutica e a individualização do tratamento, buscando alternativas de se evitar uma cirurgia de grande porte que acarrete longo tempo de internamento hospitalar. Dentre essas alternativas, teríamos: postergar um pouco um tratamento neoadjuvante (por exemplo, uma quimioterapia pré-operatória), aumentar o intervalo entre o final do tratamento neoadjuvante e a cirurgia ou, ainda, substituir a cirurgia por modalidades menos invasivas como ablações, radiocirurgia,ou outras modalidades. Todas essas alternativas devem ser balizadas por respaldo científico e visar a minimização do impacto no prognóstico final do câncer.
Pacientes que estão realizando quimioterapia devem discutir com seu oncologista entre a manutenção ou mudanças no tratamento. Porém, a decisão não deve ser baseada, mais uma vez, num ambiente de pânico.
Devemos nos adaptar ao cenário evolutivo e geográfico da pandemia, aos seus diferentes momentos, não esquecendo do comportamento conhecido de certos cânceres agressivos, onde a espera pode privar o paciente da chance da cura. Informação correta, ajuda de especialistas e apoio psicológico são fundamentais aos pacientes oncológicos nesse momento de pandemia.