Uns dos destaques da última edição do Congresso Americano de Oncologia Clínica (ASCO), que ocorreu de forma virtual pelo segundo ano consecutivo devido à pandemia de COVID-19, foram os tumores de esôfago e estômago.
Nesta edição foram apresentados estudos sobre o tratamento do câncer de esôfago e estômago avançados, ou seja, quando a doença já se espalhou para outros órgãos, e o emprego da imunoterapia no tratamento de primeira linha dessas doenças. Também foi apresentada a atualização de um estudo sobre imunoterapia e câncer de esôfago no cenário adjuvante.
Para falar sobre o assunto, conversamos com o oncologista clínico, Dr. Rafael Vanin de Moraes. Acompanhe o artigo e saiba mais sobre o assunto.
O que é um tratamento de primeira linha?
A primeira linha nada mais é que a primeira opção de tratamento para o oncologista clínico, ou seja, o tratamento com melhor resultado no controle a doença, diminuindo assim a taxa de progressão do tumor e aumentado a sobrevida dos pacientes quando ainda não receberam nenhum tipo de tratamento.
E o tratamento adjuvante?
O tratamento adjuvante por definição é aquele realizado após a cirurgia de retirada do tumor maligno, visando diminuir as taxas de recidiva da doença, aumentando assim as chances de cura da doença.
Até o congresso deste ano a imunoterapia não era utilizada na primeira linha de tratamento, pois ainda não se conheciam os resultados desses estudos. Portanto, os dados apresentados representam uma mudança de conduta na prática clínica.
Gostaria de citar algum estudo que tenha sido destaque na ASCO 2021?
Sim, claro.
O CHECKMATE 648 foi um estudo de fase III, conduzido em diversos países do mundo, que incluiu somente pacientes com câncer de esôfago do subtipo carcinoma escamocelular (CEC), com doença avançada ou recidivada. Ele testou a combinação de imunoterapia (a utilizada neste estudo foi o Nivolumab, terapia anti-PD-1) em associação à quimioterapia (QT) padrão (cisplatina e fluoropirimidina) e uma combinação de imunoterapia (Nivolumab, anti-PD-1 e Ipilimumab, anti-CTLA-4) versus o tratamento padrão atual com quimioterapia (cisplatina e fluoropirimidina). O objetivo primário do estudo era demonstrar o aumento de sobrevida global e sobrevida livre de progressão da doença em favor dos braços que continham imunoterapia versus o braço de QT padrão nos pacientes com expressão de PD-L1 ≥ 1%.
O estudo conseguiu atingir o seu principal objetivo e demonstrou a superioridade dos braços de imunoterapia versus quimioterapia isolada (tratamento padrão). No braço QT mais imunoterapia a mediana de sobrevida global foi de 15,4 meses, no braço Nivolumab em associação à Ipilimumab (sem QT) a mediana de sobrevida global foi de 13,7 meses e no braço controle (QT padrão) foi de 9,1 meses. A redução do risco de progressão de doença com QT + imunoterapia versus QT foi de 35% (HR 0,65 [98,5% CI 0,46 – 0,92]; P = 0,0023). As taxas de resposta ao tratamento foram da ordem de 53% (QT + imunoterapia), 35% (NIVO + IPI) e 20% (QT) nos pacientes com expressão de PD-L1 ≥ 1%. Na população em geral, independentemente da expressão de PD-L1, os resultados também se mantiveram favoráveis à imunoterapia.
Outro estudo importante é o CHECKMATE 649, que já tinha sido apresentado na ESMO 2020 (congresso europeu de oncologia) e publicado na Lancet Oncology este ano. No entanto, foi novamente apresentado neste último congresso americano, agora trazendo dados gerais atualizados. Este estudo tem o desenho muito semelhante ao citado anteriormente, porém os pacientes recrutados eram portadores de câncer gástrico ou de junção esofagogástrica avançado ao diagnóstico ou recidivado, sem a expressão de HER-2.
Os pacientes foram, então, randomizados para um braço de QT padrão associada à imunoterapia (também o Nivolumab, terapia anti-PD-1), ou Nivolumab em combinação com Ipilimumab, ou QT padrão (neste estudo QT padrão foi uma combinação de Oxaliplatina e Fluoropirimidina). Quando apresentado em 2020 no ESMO, o estudo já tinha atingido o seu objetivo primário, que era confirmar a superioridade da combinação de QT e imunoterapia versus QT padrão na população com expressão de PD-L1 ≥ 5% (análise por CPS).
Neste ano na ASCO o estudo confirmou também um aumento na sobrevida dos pacientes que receberam combinação de QT em associação à imunoterapia comparado aos pacientes que só receberam QT padrão independentemente do status do PD-L1, uma redução do risco de morte de 29% foi observada (HR 0,71 [98,4% CI; 0,59 – 0,86]; P< 0,0001).
Um terceiro estudo importante é o CHECKMATE 577, que nesta edição da ASCO trouxe dados de atualizações sobre qualidade de vida e sobrevida livre de metástases. Este já havia sido publicado este ano no periódico New England Journal of Medicine, demonstrando uma redução no risco de recidiva e morte por câncer de esôfago da ordem de 31% para quem recebeu imunoterapia adjuvante (HR 0,69; 96,4% [0,56 – 0,86]; P < 0,001).
Neste estudo só participaram pacientes com diagnóstico de câncer de esôfago (foram incluídos os subtipos adenocarcinoma e CEC) que não atingiram resposta patológica completa após o tratamento neoadjuvante padrão com quimioterapia concomitante à radioterapia seguido de cirurgia. Um aumento na mediana de sobrevida livre de recidiva da doença de 11 meses para 22 meses também foi observado. Houve também uma redução do número de metástases à distância da ordem de 26% (HR 0,74; 95% CI [0,60 – 0,92]) a favor do braço de imunoterapia adjuvante. Um dado bastante significativo para uma doença de prognóstico muito ruim e sem afetar de forma significativa a qualidade de vida dos pacientes que receberam o tratamento adjuvante.
O que se espera para o futuro a partir desses estudos citados e apresentados na ASCO 2021?
Eu acredito que estes resultados trarão uma mudança de conduta na prática clínica. As medicações já têm registro na ANVISA, no entanto ainda não estão aprovadas para tais indicações (situações novas testadas nos estudos). A partir do momento que estas indicações forem incluídas em bula pela ANVISA os oncologistas clínicos poderão prescrever as medicações estudadas para seus pacientes. Sem dúvida, um avanço no tratamento do câncer de esôfago e estômago.